Futebol Interativo

07/11/24 | Leitura 5min

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

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A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona


Por Marcus Arboés

O Barcelona com certeza é um dos times que mais está jogando bom futebol e tendo resultados no futebol europeu, principalmente na La Liga. Isso se deve à chegada e ao impacto de Hans-Dieter Flick, por mais que ele não tivesse o perfil de treinador geralmente procurado pelo time catalão: adepto ao jogo de posição espanhol. Pelo contrário! Por isso, precisou encontrar uma forma de se adaptar.

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

O estilo de jogo de Hansi Flick

Hansi Flick, como é conhecido, é um dos grandes nomes da escola de futebol moderno da Alemanha, auxiliar técnico da seleção alemã com passagens por Hoffenheim e RedBull Salzburg - equipe adepta de uma cultura de jogo própria, que nos ajuda a entender bem de onde parte o que poderíamos entender como “o estilo de jogo de Hansi Flick”.

Ele foi uma grande surpresa quando assumiu o Bayern de Munique e conquistou títulos expressivos adotando um estilo de jogo muito característico do futebol alemão, com princípios muito vistos na Bundesliga e em ligas de característica similares até na parte cultural do jogo, como o futebol austríaco.


Um futebol vertical, rápido, agressivo, mas não necessariamente desprovido de técnica. Tanto no Bayern, quanto na Alemanha, adotando uma forma de atacar mais funcional/aposicional, quando o time não se estrutura ocupando o campo a partir das posições do sistema tática e possuem mais liberdade. Sempre atacava com muitos jogadores e se destacava por ter times intensos e muito expostos. Inclusive, essa foi a grande fragilidade da seleção alemã na Copa do Mundo sob o seu comando, quando sofreu com a proteção das costas da última linha de marcação, principalmente na histórica derrota diante do Japão.

Só que, se formos pensar, essa é uma cultura de jogo bem diferente do que é perpetuado no Barcelona desde a base até o profissional. Por isso, quando Hansi Flick foi anunciado, quem é mais ligado nesses detalhes estranhou a escolha, mas realmente traria uma ruptura com o que vinha sendo implementado com Xavi no posto de treinador. Apesar disso, o técnico alemão encontrou uma forma de se adaptar ao local onde estava chegando.

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

Identidade do futebol catalão em crise?

Historicamente, no Barcelona, metodologicamente, se trabalha todos os princípios e ferramentas táticas, de treino, desenvolvimento e experiência presentes no jogo de posição. A filosofia de jogo adotada por Guardiola e muitos outros treinadores, que ganhou força no mundo inteiro e encantou os fãs de futebol, cuja metodologia alcança a esfera global. Uma identidade de jogo voltada a superioridade técnica em um futebol mais posicional, de passes rápidos, mas com total paciência para encontrar espaços e soluções através do passe e do controle do ritmo.

Porém, o Jogo de Posição nunca foi uma garantia de sucesso em lugar nenhum, apesar de ser uma ferramenta muito bem estruturada. No Barça, Koeman tentou aplicar algo muito diferente, o que não casou muito bem com a cultura do clube, e logicamente isso tem uma interferência direta, já que o Jogo de Posição é algo enraizado desde a cultura de vivência até a parte tática do futebol. O garoto espanhol que tem o DNA Blaugrana, se entende existindo a partir de comportamentos posicionais e com princípios fundamentais dessa cultura tática.

Considerando isso, o Barcelona buscou alguém que entendesse bem a metodologia e estivesse adquirindo experiência, além de ter a educação de futebol catalã presente no seu trabalho e estilo de vida. Xavi Hernández, ídolo e um dos maiores meias da história do clube e do mundo, era uma representação ideal para essa recuperação de identidade, mas o seu trabalho não chegou a encantar ninguém. Isso porque existem várias formas de aplicar o jogo de posição, independente dos princípios fundamentais, e se ele não for bem implementado, jogadores podem acabar sendo descontextualizados por características e o time pode sim ficar engessado e previsível.

Isso não denota uma crise no jogo de posição ou que precisa haver uma grande mudança estrutural no Barcelona quanto ao método de formação e ao modelo de jogo, mas sim que se fazia necessária, para esse grupo, uma releitura da ideia base. No meio disso, Hansi Flick chegou com a missão de gerar uma ruptura no que vinha sendo feito, se adaptando aos principais jogadores da equipe, a cultura de jogo de posição presente ali. Eu, particularmente, achei que seria mais demorado para “pegar o jeito”.

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

O Jogo de Posição “alemanizado”

Quando um treinador chega em um time, é muito comum, pelo menos nos tempos atuais, que ele tente implementar ideias e conceitos próprios, de qual modelo acredita ser o ideal. Ultimamente, tem se formado poucos treinadores com grande capacidade de adaptação não só a estruturas táticas diferentes, mas a contextos gerais, cultura e identidade totalmente diferentes. Muitos trabalhos acabam não funcionando por isso, mas é algo que ainda deveria ser mais debatido.

Chegando ao Barcelona, Hansi Flick não causou uma grande ruptura com o que vinha sendo feito, pelo contrário, ele mostrou uma excelente capacidade de adaptação a uma cultura de futebol enraizada e muito bem estabelecida, adaptando seus princípios a filosofia de jogo já existente ali, afinal, ele precisaria encontrar uma forma de aplicar seu método de trabalho e de treino utilizando os jogadores que foram contratados com esse propósito, utilizando as características presentes nas joias da base.


Taticamente falando, o Barcelona manteve o mesmo desenho tático visto anteriormente (2-3-5 / 3-2-5), mas o que muda são os detalhes e alguns princípios característicos de como o time deve atacar, dando uma maior variabilidade para que o jogo de posição do time se tornasse mais vertical.

Hansi Flick utiliza dois zagueiros com boa capacidade de construção e capacidade de controlar a profundidade. Koundé funciona como um lateral direito “base”, mas que pode jogar tanto na linha de três defensores, quanto pela direito na linha de meio em um 2-3-5, quanto pode atacar o corredor em situações em que Yamal baixa ou centraliza. Fechando o quarteto de defesa, Balde é um lateral esquerdo mais agudo, que vai atacar mais o corredor, utilizando uma de suas principais características.

No meio de campo, o trio tem variado bastante. mas a base do time sempre tem Pedri como um meia em altura mais baixa, construindo, ou jogando no entrelinhas. Casadó e De Jong têm sido utilizados como volantes e mais para a frente, tanto Fermín Lopez quanto Dani Olmo foram utilizados como um meia jogando por dentro no entrelinhas pela direita mais próximo de Lamine Yamal.

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

O trio de ataque é o grande destaque do time, pois, apesar de partir de um jogo de posição, é o que dá grande variabilidade para a equipe na fase ofensiva. Primeiro, utilizando os pontas a partir de uma lógica invertida. Geralmente, o que vemos é um ponta mais “armador” jogando por dentro, com liberdade, enquanto o ponta “agudo”, que ataca espaços e utiliza a velocidade como uma arma, joga por fora para aproveitar o corredor, onde tende a haver mais espaços.

Só que, no Barça, Yamal é o ponta habilidoso que geralmente parte da beirada do campo e tem ótima visão de jogo e passe, principalmente lançamentos longos, enquanto Raphinha, melhor jogador do time até o momento, funciona como um “ponta de lança”, um jogador que atua por dentro, mais pelo lado esquerdo, atacando espaços gerados nas costas da marcação adversária, utilizando seus ótimos desmarques e finalizações, além de oferecer bons apoios em dinâmicas de terceiro homem muito utilizadas pelo time. Lewandowski vive uma excelente fase no reencontro com Hansi Flick e tem se entrosado bem na “dupla” de ataque com Raphinha, sendo mais participativo.

De toda forma, a principal diferença ofensiva é que o time de Xavi era mais cadenciado, enquanto o Barcelona atual utiliza muito mais a verticalidade e a velocidade, aproveitando mais as transições, também. Isso privilegia a boa capacidade de lançamento longo de jogadores como Cubarsí, também, e Lamine Yamal, que pode ser arco e flecha.

O Barça também não tem mais se estacionário todo no campo do adversário, geralmente o time ataca compacto, com o trio que atua por dentro (Lewa, Raphinha e Olmo/Pedri) baixando bastante.

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

Compactação e Gegenpressing

Além da verticalidade e da velocidade, a principal herança que Hansi Flick traz do modelo de jogo associado ao gegenpressing, é justamente a forma que o time se comporta quando não tem a bola. Isso começa no momento em que a posse é tomada pelo adversário.

Na imagem acima, vemos como o Barcelona não necessariamente usa a amplitude de forma total, porque a ideia é pressionar de forma agressiva o adversário e fazer um “contra-ataque do contra-ataque”. Em equipes posicionais, isso tende a ser dificultado, justamente porque o time vai estar mais espaçado no campo, mas não é algo que vá impedir a ferramenta de ser utilizada. É uma mescla da agressividade com o princípio de “viajar juntos”, presente no jogo de posição.

Essa compactação horizontal também é vista quando o time está sendo atacado, as vezes abrindo mão de fechar a amplitude para que o time encaixote o adversário do lado do campo e sufoque onde há menos espaço.

Mas a compactação que mais chama a atenção é a vertical. Isso tira o espaço efetivo de jogo do adversário, mas expõe o time a um risco alto de sofrer uma bola nas costas, caso a profundidade não seja bem controlada ou haja uma falha de coordenação de movimentos na armadilha do impedimento, como no gol do Estrela Vermelha pela Champions League. A linha de impedimento que parou Mbappé no El Clássico foi notícia no mundo inteiro, mas isso exige, além do entrosamento, uma coordenação muito eficiente.

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

A Adaptação de Hansi Flick ao Jogo de Posição do Barcelona

Há muito mais para explorar de mudanças realizadas na parte mais “micro” da tática do Barcelona, mas essas mudanças através de uma notável capacidade de adaptação ao contexto cultural do clube por parte do Hansi Flick tem sido a chave para o sucesso até o momento. Um Jogo de Posição vertical, bebendo de fontes do futebol alemão, com bastante intensidade, agressividade e coordenação.


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