08/10/24 | Leitura 5min
Por Marcus Arboés
A notícia da aposentadoria ou pausa precoce na carreira de Rodrigo Varanda, atacante de 21 anos que se destacou no Corinthians, passou pelo América Mineiro e estava no futebol português, chamou a atenção da comunidade do futebol. Essa com certeza foi uma decisão muito difícil e, dentre os vários pontos sobre os quais podemos refletir nesse caso, pergunto: quantos jogadores não gostariam de parar e não podem?
Varanda para a carreira para se cuidar
Após terminar a temporada passada com uma lesão, Rodrigo Varanda fez 7 jogos e 1 gol pelo América Mineiro e, antes de ser emprestado para o futebol português, o atacante chegou a ser afastado após apresentar problemas pessoais. O então presidente da SAF do Coelho, Marcos Salum, chegou até a dizer que o jogador “deu uma descabeçada”. Ou seja, as coisas não andavam bem. No futebol português, nem chegou a defender as cores do Santa Clara, que está em quarto lugar no Campeonato Português.
A explicação de Varanda, através de suas redes, é que a decisão foi para poder cuidar da saúde mental e ficar perto da família, além de se distanciar de um meio profissional onde há muita pressão e, de acordo com ele, “pessoas pilantras” e até família que torce contra. E nós sabemos, convém-se que o futebol não é um sonho bonitinho e amigável para quem pretende ser jogador de futebol. Veja a explicação do, agora, ex-atleta:
“Deixo bem claro para todos que a decisão de parar foi toda minha. Vou cuidar da minha saúde mental, dos meus filhos. Sei que é difícil para muitas pessoas, para os meus empresários, o Fernando, o Guilherme, todos os clubes que eu trabalhei também. Sei que é difícil para todo mundo. Todo mundo acreditava no meu potencial.
Nesse momento, Rodrigo Varanda está cercado dos seus entes mais próximos e está buscando uma outra relação com o futebol, no contexto de várzea, onde, independente de qualquer crítica ou visão relacionada a sua decisão, ele pode estar mais feliz, ainda que não descarte um retorno ao profissional no futuro, de forma que ele não se distancie da família. E apesar de todo o bônus que o futebol traz, isso é o que mais importa.
Mas veja só: Rodrigo é um jogador que conseguiu “fazer virar”, foi para o Corinthians, para o América Mineiro, jogando em times que a esmagadora maioria dos garotos que entregaram a vida para o futebol, gostariam de estar. E que bom que ele teve a decisão de parar pelo próprio bem, afinal, essa decisão não é tão simples.
Poucos jogadores têm poder de escolha
A gente sempre costuma refletir sobre os danos psicológicos no futebol a jogadores famosos e que estão atuando em alto nível. Eu mesmo, já escrevi artigos sobre os casos de Allan (hoje, volante do Flamengo) e de Bojan Krkic (aquele da base do Barcelona), falando sobre ansiedade e depressão, mas de uns tempos para cá, parei para pensar que devemos começar a falar da saúde mental dos atletas que não estão nos holofotes do futebol.
Antes de tudo, fazer diferença de alguma forma e impactar na vida de atletas que estão no maior futebol do Brasil: o regional, estadual, de Série C para baixo, onde se concentram a grande maioria dos atletas e potenciais atletas, cuja condição financeira é totalmente diferente dos jogadores dos quais costumamos falar. E, claro, eles servem de exemplo, é importante que Michael, Lyanco, Varanda e outros jogadores falem sobre isso, mas no contexto deles, há um suporte maior para se cuidar psicológica e psiquiatricamente, além de que atletas profissionais no alto nível têm mais poder de decisão de parar a carreira ou dar uma pausa.
Recentemente, conversei com um jogador e o caso dele retrata a realidade que quero trazer para este espaço. Um atacante em idade de pico, com passagem em times de cidades interioranas de torcida no seu estado e em clubes tradicionais do futebol nordestino, desabafou que estava frustrado com o momento que está vivendo. Na segunda divisão estadual que está disputando, acabou sendo procurado só pelo time mais “desorganizado” da competição e geralmente ele precisa esperar a procura vir, já que não tem um empresário.
Pela qualidade técnica, poderia facilmente jogar nos outros times da liga, e assistindo aos jogos, é possível ver que ele destoa tecnicamente do resto do time inteiro. Como é muito comum, no Nordeste, ter calendário só até, no máximo, no meio do ano, esses jogadores precisam topar uma segunda divisão no Piauí, na Paraíba ou em outros estados, porque precisam sobreviver e esse é o trabalho deles.
Esse foi o motivo pelo qual esse bom jogador, para o nível do campeonato, aceitou um projeto que ele sabia que não seria promissor, por mais que ele se frustre com situações do dia a dia, com derrotas e até que, provavelmente, isso afete sua auto estima, ele aceita jogar nessas condições porque precisa colocar comida na mesa dos filhos.
Já parou para pensar no quanto os jogadores nessas condições sofrem diariamente e pensam em largar? Bom, eles não podem. Não podem porque isso é o que eles amam e sabem fazer de melhor, que mais pode trazer uma renda para a família. Em muitos casos, um menino, menina, homem ou mulher que encerra a carreira, encerra o sonho de uma família inteira de mudar de vida. E isso já é uma primeira pressão, antes da pressão da indústria.
A escolha de Rodrigo Varanda desafia a lógica?
Essa resposta é muito óbvia. Sim, com certeza desafia a lógica, afinal, uma aposentadoria precoce no futebol sempre choca muita gente, mesmo que seja por lesão ou questão cardiovascular. Uma escolha por questões de saúde mental muitas vezes é desconsiderada, justamente por ainda ser algo socialmente não visto como sério no que tange a saúde do jogador. Mas desafia uma lógica dominante que precisa ser questionada.
Primeiro de tudo, precisamos entender que um jogador de futebol não é saudável fisicamente. Ele se aposenta, em média, por volta dos 35 anos, cheio de problemas físicos e sequelas do alto nível de enfrentamento, exigência corporal e de lesões que o acompanharam ao longo de uma carreira que, na maioria das vezes, começa na adolescência - a nível de exigência, quando começa a ganhar algum dinheiro para ajudar em casa. E a mente também desgasta o corpo.
Há um desgaste emocional que vai acompanhar o jogador durante toda a sua carreira, afinal, se espera muito dele. Se depender da mídia, da cultura de torcida e até de dirigentes e empresários, se espera que ele jogue bem todos os jogos e que nunca erre, que nunca seja afetado pelos problemas pessoais que qualquer pessoa tem na hora de fazer o seu trabalho. A indústria espera que o jogador dê uma resposta no resultado e essa lógica não é realista, idealista, fantasista. Se pede muito do jogador e se olha pouco para ele como pessoa.
Se espera do jogador um desempenho de máquina que ele não é e nunca vai ser. E a cada dia que passa, a cultura do futebol no Brasil se volta mais para isso. Mídia sensacionalista, calendários que extrapolam a capacidade física dos elencos, consumo intenso de números e estatísticas, uso nocivo das redes sociais, violência virtual e muito mais. Isso, em todos os níveis de competitividade e não só aqui no país, claro.
Não se espera do jogador que ele pare, mas ao mesmo tempo, se turbina ele de informação e de violência. E se juntarmos isso com o que foi explicado no começo do texto em relação à realidade dos jogadores de menor renda, proponho a reflexão:
O jogador que você sente direito de desrespeitar tem uma família que nem você. Esse futebolista, em algum momento, só tinha a fome, um sonho, uma mãe de longe dando suporte do jeito que pode e uma promessa de salário atrasado. Precisa ser visto e preservado, porque não tem o direito de parar o que não está lhe fazendo bem.
Um caminho para impactar a vida de atletas é tornando a indústria do futebol mais receptiva. Treinadores, analistas, preparadores físicos e outros profissionais já têm passado a falar muito mais desses temas que envolvem a saúde do jogador como cidadão. Os clubes já começaram a profissionalizar seus departamentos de acompanhamento psicológico, a importância do cuidado da saúde mental. Passos já foram dados, e você pode dar o seu. Venha fazer parte da revolução da indústria do futebol através dos nossos cursos com estágio garantido!
Clica aqui no link para conversar com a gente!