Futebol Interativo

19/02/25 | Leitura 6min

Aprofundando no debate sintético x natural

Compartilhe

Aprofundando no debate sintético x natural


Por Marcus Arboés

Grandes jogadores do Brasil estão se mobilizando para dizer "não ao gramado sintético", alegando que prejudica o desenvolvimento do futebol brasileiro, além dos riscos oferecidos. Mas, afinal, quais os prós e contras do sintético? O risco de lesão é realmente maior? Por que os jogadores não gostam?

Imagem 1

Neymar, Memphis, Thiago Silva, Lucas Moura… após muito tempo, voltamos a ver os jogadores, de forma coordenada, atuando em prol de uma causa. Um movimento que já aconteceu em outros países, como Holanda e França, se iniciou no Brasil: a revolta dos atletas, de forma informal ou sindical, com os campos de futebol artificiais, afinal, eles se sentem prejudicados. Acompanhados da imagem acima, os posts trazem o seguinte texto:

“Preocupante ver o rumo que o futebol brasileiro está tomando. É um absurdo a gente ter que discutir gramado sintético em nossos campos.

Objetivamente, com tamanho e representatividade que tem o nosso futebol, isso não deveria nem ser uma opção. A solução para um gramado ruim é fazer um gramado bom, simples assim.

Nas ligas mais respeitadas do mundo os jogadores são ouvidos e investimentos são feitos para assegurar a qualidade do gramado nos estádios. Trata-se de oferecer qualidade para quem joga e assiste.

Se o Brasil deseja definitivamente estar inserido como protagonista no mercado do futebol mundial, a primeira medida deveria ser exigir qualidade do piso que os atletas jogam e treinam.

FUTEBOL PROFISSIONAL NÃO SE JOGA EM GRAMADO SINTÉTICO!
#NãoaoGramadoSintético”

Ainda que seja importante ver um movimento dos jogadores como classe, o tema é bem complexo, divide opiniões e precisa ser discutido de forma mais ampla.

Imagem 1

Por que alguns clubes aderem ao sintético?

Esse é o ponto inicial do debate: o gramado sintético possui um custo mais baixo de manutenção do que o gramado natural, oferece a possibilidade de que os clubes possam receber outros eventos sem ter um grande dano no gramado, como shows, além de ter maior durabilidade.

Nessa discussão precisamos considerar a nossa realidade geral e não só falar de Palmeiras, de Athletico… no futebol de Série D, regional e estadual, muitos gramados não oferecem a possibilidade do time adotar um estilo de jogo onde a bola role melhor, justamente pelos gramados serem ruins. Uma cultura de jogo direto, físico e alongado é forçada taticamente pelas condições climáticas e socioeconômicas no Brasil, que fazem com que muitas equipes não consigam jogar num gramado adequado.

Além disso, enquanto a tecnologia promete menos risco de lesões por causa de impacto, treinadores e jogadores, como Suárez, não gostam de jogar no artificial justamente por considerarem arriscado. Mas o que a ciência diz sobre isso?

Imagem 1

Gramado sintético aumenta risco de lesão?

Enquanto a tecnologia promete um controle melhor de impacto no gramado, jogadores reclamam do pé ficar muito "fixado" no gramado por causa da baixa maleabilidade em relação a um bom gramado natural. Junto da questão técnica, essa é a principal reclamação.

Diante disso, clubes como Palmeiras e Botafogo, que aderem ao gramado artificial, se posicionaram defendendo a prática esportiva nesse tipo de relva com base no programa de qualidade da FIFA e em pesquisas científicas. Mais de mil estudos já foram realizados e a maioria deles não encontra correlação com a redução e nem com o aumento do número de lesões para jogadores, inclusive o citado pelo Palmeiras, publicado pela revista The Lancet Discovery Science, que coloca um índice maior de lesões na grama natural.

Só que dentro da própria medicina e da ciência, não há consenso. Para o médico e fisiologista do exercício, Turíbio Barros, os campos sintéticos oferecem maior risco de lesão e há estudos que confirmam isso, principalmente nos Estados Unidos. Inclusive, também voltados ao futebol americano e ao rugby, além do futebol, como um publicado pela Sports Medicine.

No vídeo acima, vemos Ana Carolina Côrte, pós-Doutora em Medicina do Esporte e médica do Corinthians, citar um estudo realizado minuciosamente pela UEFA ao longo de 18 anos de observação, que concorda que os gramados artificiais não necessariamente aumentam o risco de lesão, mas têm uma tendência maior a incidência de lesões ligamentares, enquanto os gramados naturais têm a lesões musculares.

A grande diferença, como a Doutora Ana explica no seu instagram, é que as lesões ligamentares tendem a tirar os jogadores por mais tempo dos gramados e isso impacta na performance e na sequência de jogo do atleta.

Imagem 1

O fisioterapeuta esportivo Filipe Abdalla publicou no seu X/Twitter uma análise de artigos que relacionam o tipo de lesão, com a maior incidência em cada tipo de gramado, filtrando através daqueles que foram ou não financiados por empresas fabricantes de grama artificial e o resultado apresentado corrobora com a colocação do estudo citado pela médica do Corinthians.

Indo um pouco mais além no posicionamento contra o sintético, alguns países, como Escócia e Países Baixos, já adotaram medidas para proibir a prática profissional nesse tipo de gramado. Para os pesquisadores holandeses, inclusive, o risco de câncer está acima do risco de lesões.

De toda forma, a questão do tipo de lesão prevalece, justamente porque tivemos casos recentes no Brasil e muitos jogadores e treinadores têm se manifestado sobre.

Imagem 1

O que pensam treinadores e jogadores?

No Brasil, o movimento é claro e coordenado: a maioria dos técnicos e dos atletas se posicionam contra esse tipo de gramado. E até mesmo Abel Ferreira, que é a favor, já se recusou a colocar o time em campo na própria casa por causa de problemas com a manutenção, pondo a segurança dos profissionais em risco.

Esse movimento que está acontecendo por parte dos jogadores, no Brasil, já aconteceu na França, só que de forma sindical, em 2016-2017. Na Holanda, onde já é proibido, muitos jogadores, ex-jogadores e treinadores também se posicionaram de forma negativa. E, por isso, nós precisamos entender os principais argumentos, que vão desde a questão fisiológica, médica e motora, até a técnica.

Vejamos, a seguir, a fala de alguns profissionais sobre (citações disponíveis no site da ESPN):

DORIVAL JÚNIOR reclamando da grama artificial no Allianz Parque: "É uma coincidência (as lesões no Allianz), mas, na minha opinião, é muito desigual você jogar em um gramado como esse. Na Holanda, gramados como esse são proibidos. Eu acho que eles perceberam isso de negativo para proibirem. Mas aqui permitiram, e eu não posso falar nada, apenas é lamentável, porque o próprio São Paulo teve algumas lesões aqui".

JORGE JESUS: "O futebol tem que ser jogado em grama natural. O jogador não tem tantas lesões. Os jogadores estão cheios de problemas físicos. O jogo não tem nada a ver uma coisa com a outra. A bola bate, quica com mais facilidade. Não tem razão de ser. Se eu mandasse na Fifa, eu iria proibir gramado sintético. É um gramado natural. Mas eu não mando".

Imagem 1

FELIPE MELO opinando contra a liberação de gramados artificiais no Brasil, em 2018: "Grama sintética para mim jamais (deveria ser usada). Eu treinei algumas vezes em grama sintética, é muito complicado para dar carrinho, e quanto está muito quente queima a sola do pé. Estamos acostumados com a grama natural, o jogador brasileiro cresceu acostumado à grama natural. Eu joguei em gramado sintético na Copa da Itália e achei horrível".

RENATO GAÚCHO reclamando da grama sintética da Arena da Baixada: "Grama sintética faz muita diferença. É da água para o vinho. A bola fica muito viva na grama sintética. Eles estão acostumados com o campo. A bola fica muito viva. Essa foi a nossa maior dificuldade".

ZICO: "Não é só por causa do campo que eles (Palmeiras, Botafogo e Athletico) ganham. Eles vão ganhar campeonatos no campo normal porque têm bons times. Mas o problema é o costume e a quantidade de jogos que aqueles times que jogam no campo sintético têm para fazer. Eu não gosto, nem precisa me convencer. Eu acho que campo sintético é para pelada, para o chope, para baixar seus custos no CT, nas escolinhas... Mas não é para competição".

Como você pode ter percebido, as principais reclamações de treinadores, ex-atletas e jogadores atuantes está conectada a questões técnicas, táticas, culturais e de lisura do jogo. Ou seja, o principal ponto dessa discussão deveria estar na consideração do contexto.

O contexto cultural citado por Felipe Melo, é importante, afinal, o jogador brasileiro não se desenvolve em gramado sintético e boa parte das nossas características identitárias fundamentais no Brasil não são desenvolvidas nesse tipo de relva. Mas, ainda assim, as condições de formar garotos e garotas no esporte precisam de muito mais cuidado.

As falas de Jorge Jesus e Renato Gaúcho se conectam de certa forma e dizem respeito a uma questão técnico-tática que é visível: tal qual num gramado molhado e esburacado, a bola vai se relacionar de forma bem diferente com o piso de um bom campo natural para um bom campo sintético. Isso influencia diretamente na forma como o jogador dá um passe, na maneira como recebe a bola, conduz e, claro, de como o time vai agir e reagir taticamente.

Logo, equipes que não treinam no sintético no dia a dia vão ser prejudicadas ao jogar na casa de um adversário, como Palmeiras, Athletico e Botafogo, que vão ter mais costume e já vão se preparar técnica e taticamente diariamente para atuar em seus domínios. Isso junta os argumentos de Dorival e Zico: a lisura do jogo pode ser afetada pela falta de costume de jogar nos campos artificiais.

Assim, é claro que essas equipes - que não necessariamente estão erradas em adotar esse tipo de piso - terão boa resposta esportiva em resultados e um menor índice de lesões do que seus adversários ao jogar no artificial. Afinal, não só a bola reage diferente ao piso, mas a pisada do jogador. Quem treina no sintético, vai conseguir jogar em alto nível em condições melhores do que quem treina no natural, ao estar num estádio como a Ligga Arena.

Imagem 1

E como resolver esse problema?

Eu adoraria ter uma resposta pronta para isso, e é o que todos os lados dessa história parecem querer ter, mas não é tão simples quanto se apresenta no debate público. Com as questões propostas aqui, nós podemos tirar algumas conclusões sobre a dicotomia sintético x natural.

Primeiro que, de fato, não há necessariamente uma incidência maior de lesões em gramado sintético por parte da maioria das pesquisas e que a principal questão é um risco maior de lesões ligamentares, que é uma questão bem debatida no futebol mundial, já que está havendo há uns anos uma série de casos graves de LCA afetando a carreira de jogadores. Cientificamente, é o que os estudos nos respondem e, ainda assim, eles não possuem um consenso e o debate científico segue em aberto.

Segundo que, por mais que a se produza ciência no Futebol Interativo e que ela seja muito importante, principalmente nesses casos com debate amplificado, nós não podemos passar por cima da percepção do atleta e só selecionar pesquisas com resultados convenientes às nossas crenças. Não é só o Neymar ou só o Lucas, é uma classe profissional e são eles quem jogam, eles precisam se posicionar e ser ouvidos. O contexto é muito importante.

E, em terceiro, é justamente o contexto que precisa ser considerado, já que no final das contas, no Brasil, a discussão não é natural bom x sintético bom: é sintético x gramado ruim. Vira um jogo passional de futebol onde um lado defende seu ponto de forma clubista e vice versa. O principal ganho dos campos artificiais é no custo de manutenção, ou seja, ajudaria clubes pequenos a terem melhor rentabilidade.

Mas o quanto isso está sendo discutido? A briga está presa no Allianz Parque, enquanto times menores e até da elite do futebol brasileiro enfrentam problemas com manutenção de gramado natural por uma questão estrutural que, aparentemente, não estão muito preocupados em resolver.

Na Holanda, por exemplo, onde também enfrentavam problemas climáticos, as equipes com menos poder aquisitivo investiram nos campos sintéticos, mas a maioria dos jogadores no geral, foram contra. Por isso, com a proibição, as maiores equipes holandesas se juntaram para fazer um fundo de investimento em bons gramados naturais para clubes menores.

Em proporção escalonada, é muito mais difícil aplicar isso no Brasil, precisaríamos de um investimento da Confederação, das federações, dos clubes, de investidores e, quem sabe, até de jogadores. Logo, percebemos que o problema a ser resolvido é econômico, cultural, estrutural e político.

Quem está disposto a lidar com isso?


Você trabalha com análise e pensa em dar o próximo passo na carreira para se tornar um profissional de excelência no mercado, te convidamos para conhecer o nosso MBA Análise de Desempenho e Mercado. Vem conferir! Saiba mais clicando aqui!