Futebol Interativo

02/12/24 | Leitura 5min

Fernando Diniz Precisa Mudar Seu Estilo de Jogo?

Compartilhe

Fernando Diniz Precisa Mudar Seu Estilo de Jogo?


Por Marcus Arboés

Depois de vencer a Libertadores em 2023, tirando vários pesos de narrativas das costas e de assumir a seleção brasileira, Fernando Diniz teve um 2024 para esquecer, profissionalmente falando. Diante de mais um revés, perdendo a final da Sul-Americana para o Racing, muitas pessoas voltaram a pautar que o treinador deveria abrir mão do seu estilo de jogo. Mas precisa mesmo?

Fernando Diniz

O 2024 de Fernando Diniz

O ano começa com Diniz sendo demitido da seleção brasileira, logo no começo de janeiro, após não ter conseguido implementar bem suas ideias de jogo e com os jogadores não conseguindo performar o seu melhor, ainda que isso tenha se sustentado com Dorival Junior a partir de um estilo de jogo já bem diferente.

Apesar do título da Recopa Sul-Americana no começo do ano com o Fluminense, o time de Fernando Diniz não engrenou técnica e taticamente, mas teve uma considerável e notável queda no desempenho físico - o que influencia diretamente na capacidade defensiva e de mobilidade e intensidade do time. Assim, o time perdeu a capacidade de encaixe nas associações curtas que caracterizam o dinizismo, ficou refém de algumas jogadas específicas, perdeu confiança e se fragilizou ainda mais defensivamente.

Com a demissão no Fluminense, Diniz optou por tirar o resto do ano para descansar e ficar com a família, mas um aficcionado não consegue ficar tão distante do que ama. Não por menos, viralizou um vídeo dele treinando o time da faculdade do filho. Meses depois, viria a proposta do Cruzeiro após a demissão de Fernando Seabra. Diniz assume o Cruzeiro tentando se adequar aos jogadores e implementar suas ideias, tendo dificuldade nos primeiros jogos, mas chegando e perdendo uma final de Copa Sul-Americana.

Os resultados - e não necessariamente o desempenho - do Cruzeiro ditam uma narrativa nas redes e na voz da comunidade de que o treinador é uma enganação e que precisa mudar seu estilo de jogo por todo mundo já conhece e sabe aplicar o “antídoto”. Mas, em até que ponto isso está correto?

A culpa é do estilo de jogo?

Quando venceu a Libertadores com o Fluminense, Diniz falou em entrevista coletiva que gostaria que todos os treinadores pudessem seguir as suas convicções independente dos resultados. Esse foi o mesmo tipo de cobrança feita na temporada inteira e finalmente (falsamente) validada pelo resultado do Manchester City na final do Mundial de Clubes.

Esse discurso é falacioso quando há uma má interpretação do que é o estilo de jogo de um treinador ou de um time. Recentemente, inclusive, em uma entrevista coletiva antes da final contra o Racing, o treinador deixou claro do que exatamente ele não abre mão, e isso pode nortear a entendermos o estilo de jogo do treinador.

“A característica que tenho - e isso não pretendo mudar - é de dar liberdade aos jogadores para eles perceberem o que o jogo pede, porque eles estão treinados tanto para chutar todas as bolas se precisar, quanto para sair jogando. Isso é o que eles vão decidir amanhã. E eu tenho confiança plena de que os jogadores estão imbuídos e são capazes de fazer a leitura que precisa do jogo. E a gente vai estar ali para poder dar alguma orientação no campo e no intervalo, se precisar, fazer alguma correção”.

Para responder se a culpa é do estilo de jogo, primeiro precisamos entendê-lo.

Qual o estilo de jogo do Dinizismo?

Explicar os princípios do dinizismo é algo muito além da tática, exige que reflitamos sobre a forma de fazer futebol, a visão diante de como nos relacionamos com os jogadores e um perfil de “resgate cultural” dos atletas que contribuiu com a carreira de muitos atletas brasileiros, que hoje estão jogando em alto nível, como Raphael Veiga, Caio Henrique e Bruno Guimarães.

A partir desse princípio básico e do que explica na fala acima, Fernando Diniz tem princípios que formam o seu estilo de jogo: muita liberdade e autonomia para os jogadores, um time sem posições fixas que, por causa da dinâmica de jogo, muitas vezes não se orienta a partir do sistema tático e sim colocando vários jogadores próximos do setor da bola através de rondos.

Isso acontece justamente porque o treinador exige que sempre que um atleta pegue na bola, os seus companheiros aproximem para dar a ele mais de três opções de passe - algo que não tem acontecido tanto assim, ainda, no Cruzeiro. E, por fim, a famosa “coragem para jogar”, onde o clube assume situações convencionalmente mais arriscadas para ter ganhos maiores.

Um jogo funcional/aposicional pelos lados do campo, como fazem os times de Diniz, facilitam a pressão pós-perda, mas expõe o lado oposto. No caso de Fluminense e Cruzeiro, há também uma exposição da profundidade, já que ele gosta que todos os jogadores estejam participando da construção para ter sempre superioridade, mas depende muito de características individuais para fazer a vigilância defensiva (orientação defensiva enquanto o time tem a bola) para se preparar para possíveis contra-ataques. Não à toa, nesse ano, sofreu demais quando perdeu André.

A temida saída de bola

A saída de bola é o que mais chama a atenção das pessoas e, logo, mais críticas, também. Muitas vezes é a fase do jogo mais questionada dos times por onde o treinador passa, justamente por ela ser muito mais arriscada do que as saídas de bola convencionais. Mas no próprio Cruzeiro, diferente do que era visto no Fluminense, a saída não é tão caótica, ou seja, mostra uma flexibilidade maior do treinador e uma adaptação ao contexto sem abrir mão dos seus princípios.

O que podemos observar, de forma geral, ou seja, independente do time executar bem ou não, é que os movimentos são mais arriscados e podem gerar mais perigo, principalmente quando a bola passa pelos pés do goleiro e tira suspiro dos torcedores. Em compensação, tem um potencial de atração maior dos encaixes da marcação e, se bem executado, gera espaços que, geralmente, não vemos muito na maioria dos jogos do futebol atual.

Dito isso, precisamos avaliar, também, como saíram a maioria dos gols que a Raposa sofreu:

  1. 1 x 1 Libertad - Kaio Jorge tenta puxar um contra-ataque sozinho, perde e a bola e o time sofre um gol de cruzamento.
  2. 1 x 1 Vasco - sobra de um escanteio na entrada da área, gera lançamento por cima.
  3. 0 x 1 Fluminense - sobra de cruzamento, Cruzeiro com mais homens na área, marcação passiva cede espaço para Ganso encontrar Árias.
  4. 1 x 1 Bahia - Cruzeiro perde a bola na direita e Bahia inverte o jogo para contra-atacar com Ademir, que ganha na velocidade e cruza no segundo pau.
  5. 1 x 1 Lanús - Gol de cabeça em escanteio.
  6. 0 x 3 Athletico - Construção do adversário, cruzamento no segundo pau [reservas com um a menos por 90min].
  7. 0 x 3 Athletico - Erro individual na saída de bola [reservas com um a menos por 90min].
  8. 0 x 3 Athletico - Após um rebote, Nikão pega a sobra e chuta com liberdade [reservas com um a menos por 90min].
  9. 0 x 1 Flamengo - Aquele gol de falta do David Luiz.
  10. 2 x 1 Criciúma - Rebote de Cássio no pé do jogador após uma construção que terminou em cruzamento e cabeçada.
  11. 1 x 2 Corinthians - Memphis recebe bola mal rebatida pela zaga após cruzamento rasteiro em jogada de linha de fundo [time reserva].
  12. 1 x 2 Corinthians - Zagueiro do Corinthians rouba a bola em um lateral e arma o contra-ataque sem receber combate e gera o gol em transição [time reserva].
  13. 1 x 3 Racing - Cássio força uma saída totalmente diferente, Wallace erra um passe, o time ainda consegue evitar a jogada, mas na hora de contra-atacar é antecipado e Martirena faz o gol num cruzamento.
  14. 1 x 3 Racing - Marcação mal encaixada gera espaço para inversão e, em seguida, bola longa nas costas da marcação com jogada de linha de fundo que termina em cruzamento rasteiro.
  15. 1 x 3 Racing - Cruzeiro exposto no “tudo ou nada” tenta um balão, leva um contra-ataque e sofre o último gol.

Perceba que, dos 15 gols sofridos até a final contra o Racing, apenas dois tiveram influência dos riscos assumidos a partir do estilo de jogo do treinador. Isso não significa que o Cruzeiro não tenha errado a saída de bola ou na construção, afinal, erros são esperados, mas se olharmos só para o resultado, não dá para avaliarmos que a culpa é do estilo de jogo e sim de detalhes táticos específicos que, muitas vezes, nem criticados são.

No que Diniz poderia melhorar?

No lugar de tentar buscar respostas fáceis e prontas, podemos aprofundar em problemas que vêm assombrando Diniz há um tempo. Desde a boa campanha em 2023 com o Fluminense, seu time sofreu dos mesmos problemas que foram amplificados em 2024 e também aconteceram no Cruzeiro. Elas não são, necessariamente, problemas do estilo de jogo.

Como visto no vídeo acima, os encaixes da marcação do Cruzeiro são muito passivos. Marcando desde a lateral, o time aceita o risco de deixar o outro lado sem ninguém para ter superioridade numérica e roubar a bola naquele setor com mais jogadores, mas não sufoca o adversário o suficiente. Na sequência, o encaixe também é passivo. Mesmo que não dê o combate, poderia pelo menos gerar incômodo. O jogador do Racing recebe desmarcado no meio e com ângulo aberto para fazer o lançamento. O defensor cruzeirense não perfila bem o corpo para proteger a profundidade e recebe lançamento nas costas.

Esses comportamentos específicos da defesa podem ser vistos em outras situações. Por exemplo: tanto Fluminense quanto Cruzeiro tinham problemas para conseguir recuperar a bola e brecar contra-ataques em situações após perder a posse. No caso do time carioca, André e Nino tinham boas recomposições e combates individuais para suprir essa lacuna. Isso torna o time ainda mais exposto quando não há uma coordenação na hora de defender a profundidade do campo em casos de contra-ataque.

Mas perceba que há outro padrão que se repete muito nos gols que listei, sofridos pelo Cruzeiro: jogadas de cruzamento pelo lado da área ou pela linha de fundo. Principalmente pelo lado esquerdo. Quando não é direto na assistência, é um rebote depois de uma jogada por aquele setor. O Fluminense também sofria com esse tipo de lance. No jogo aéreo defensivo, isso inclusive se amplia para escanteio.

A sensação que passa e, claro, isso é hipotético, é a de que não se dedica tanto tempo assim de trabalho para corrigir problemas específicos da organização defensiva e da transição defensiva. Não que eu duvide que o Cruzeiro treine bastante, mas todas as etapas do jogo se conectam e precisam ser treinadas para lidar com as demandas da temporada.

Os outros ajustes, que também são do time com bola no pé, são vistos jogo a jogo. O Cruzeiro fez partidas em que jogou bem, até saiu na frente, mas acabou sendo punido com esses problemas e, assim, o percentual de aproveitamento cruzeirense sob o comando do técnico vai caindo.

Fernando Diniz

Diniz não precisa mudar seu estilo de jogo

É verdade que o estilo de jogo de um time ou o favorito de um treinador pode acabar prejudicando algum atleta por não potencializar suas características. Por exemplo: um ponta velocista pode ser descontextualizado por um time posicional que faz um ataque mais cadenciado, sem muito espaço de profundidade para que ele se desmarque. Em casos específicos, como o Flamengo, um estilo de jogo pode prejudicar uma parcela bem grande do elenco.

Mas não é isso que acontece no Cruzeiro, até porque o time que começou o ano muito bem com Fernando Seabra também tinha um modelo de jogo funcional e, nome a nome, os principais jogadores têm características que se adequam ao “dinizismo”, ainda que isso só se confirme na prática e que futebol seja um jogo de adaptação mútua na relação técnico - modelo de jogo - jogador.

Como você pode ter visto no artigo, por mais que precise lidar melhor como os seus antídotos, a resposta não está em abrir mão do estilo de jogo e dos princípios, mas talvez de flexibilizar mais e a dar atenção maior para alguns pontos fracos que têm sido bem explorados pelos adversários. Porém, isso pode acontecer com qualquer time e com qualquer treinador. Afinal, todas as formas de jogar são estudáveis, todos os treinadores têm acesso a informação sobre todos. O dinizismo não perde porque é “manjado”, pois todos os estilos são manjados.

Todo modelo de jogo vai ter fragilidades. Assim como o time de Fernando Diniz tem riscos por causa do estilo de jogo, o time de Pep Guardiola, tido por muitos como melhor treinador do mundo, também tem - e, inclusive, está sofrendo com isso. Isso não significa que nenhum dos dois seja incriticável, mas é necessário entender como cada time joga para fazer a crítica justa. A sensação que passa é a de que muita gente quer fazer contraprovas oportunistas em cima de quem tenta fazer algo diferente e autoral.


Curtiu a análise e tem vontade de melhorar a sua avaliação de onde estão as fragilidades de cada time? Você pode desenvolver essa habilidade e até realizar o sonho de entrar para a indústria do futebol através de um dos nossos cursos com estágio garantido em um dos mais de 70 clubes parceiros. Cursos voltados a tática, análise de desempenho e para treinadores e auxiliares no Futebol e todo o nosso arsenal de especializações podem contribuir para a sua carreira!

Clica aqui no link para conversar com a gente!