Futebol Interativo

23/11/20 | Leitura 5min

Gestão no Futebol - O Preocupante Mercado Precoce de Crianças no Futebol

Compartilhe img

Gestão no Futebol - O Preocupante Mercado Precoce de Crianças no Futebol


Hoje no nosso Blog é dia de apresentar mais um Convidado Especial, se trata de Felipe Sitônio, que atualmente é CEO da Conferência Centro-Oeste de Futebol, com passagens pelo Sobradinho Esporte Clube (2019) e Taguatinga Esporte Clube (2018), ambos como Gerente de Futebol. Felipe nos contará acerca da Entrada Precoce de Crianças no Mercado Futebolístico, comentando sobre os prejuízos na Formação dos Jovens, a Legislação e a Captação ambiciosa por Talentos.

Mas, por que o Mercado Precoce de Crianças no Futebol é tão preocupante?

Você vai entender agora. Boa leitura!

Inicialmente, cumpre destacar que o entendimento a seguir trata-se de opinião sobre os fatos e acontecimentos noticiados, sem juízo de valor do ponto de vista Ético e Moral, por se tratar de valores pessoais e subjetivos, contudo, necessário se faz o debate para alertamos sobre o avanço precoce do mercado que envolvem crianças no futebol.

Partindo dessa premissa, importante estabelecer de início a definição de Criança e Adolescente para delimitarmos a nossa discussão e adentramos ao tema, para tanto, a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece em seu artigo 2º que: “criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

Dito isto, com o avanço acelerado dos Negócios que envolvem o futebol com cifras cada vez maiores, somado ao acesso à tecnologia que permitem o conhecimento global sobre as informações, além do notório Crescimento da Competividade, propiciam que estes fatores tornem o Mercado aquecido por investidas dos players com a mentalidade de garantir o negócio o mais cedo possível, com receio de perder a oportunidade em face dos concorrentes.

Aos longos dos anos, nos acostumamos a presenciar negócios sendo firmados por clubes e/ou agentes com jogadores já em sua Fase Adolescente, com vistas a Assinar o Primeiro Contrato com o atleta e seu respectivo representante, seja ele não profissional “formação” (a partir de 14 anos) ou profissional (a partir de 16 anos), de acordo com a Lei Pelé.

Uma novidade trazida pela CBF, referente ao Contrato de Atleta Menor de Idade, no Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol de 2018 é a possibilidade de um clube inscrever adolescentes de 12 e 13 anos de idade para atividades de Iniciação Desportiva, com validade máxima até o final da respectiva temporada. Ressalta-se, que não adentraremos na profundidade do mérito dos contratos aludidos, por não ser o objeto do presente artigo, porém, servirá apenas para ilustração didática para conhecimento do tema.

No entanto, a realidade do Mercado foi se afunilando e tornando enorme a competividade entre os profissionais, levando estes a buscarem alternativas para anteciparem a Captação de Talentos e, por conseguinte, fugirem da linha etária aplicada pelo mercado e da observação de adversários.  Assim, nos deparamos atualmente com Casos Noticiados de disputas entre os clubes por atletas desde o sub-8 e sub-9, tudo para garantir que a Criança se vincule desde já em sua instituição, mesmo antes de qualquer Contrato ou Instrumento Jurídico que possa ser firmado.

A título de ilustração, podemos citar a notícia que para quem vive no futebol não é estranha por já ser uma realidade do Futebol de Base no Brasil, é o caso do atleta Estevão Willian, conhecido como “Messinho”, que integra a Base do Cruzeiro Esporte Clube desde o sub-9 e hoje está com 13 anos (2007), mas que sempre foi objeto de enormes investidas de grandes clubes do Brasil e do exterior, para tirá-lo do clube atual.

Por sua vez, a FIFA busca de certa forma criar mecanismos que protejam os Clubes Formadores e inibam atitudes agressivas dos grandes players do Mercado, sendo um grande exemplo disso o conhecido Mecanismo de Solidariedade que garante aos clubes formadores um determinado percentual pela participação na formação do atleta dos 12 aos 23 anos de idade, até o limite de 5% das vendas futuras.

No entanto, percebe-se que esta ferramenta ainda está longe de proteger investidas como a citada, muito também pelas atitudes dos clubes e dos profissionais que não respeitam as regras, onde, inclusive, há a criação de um “Código de Ética” entre os clubes para inibirem essas ações, com “punições” e “boicotes” aos “infratores”.

Há que se falar também, que já foram noticiadas denúncias realizadas pela possível “Cessão de Direitos” de crianças sem mesmo contrato assinado pelas partes, portanto, mora uma enorme preocupação do que pode se tornar o Mercado com a sua (in) evolução.

Outro ramo que se tornou realidade no mercado é do Patrocinador de Material Esportivo para Crianças, que desde os 10 anos exibem as marcas das empresas, como o caso do Willian Nascimento, jogador da equipe sub-10 do Clube de Regatas Flamengo, tendo sido noticiado que ele bateu o recorde do próprio Estevão a ser o mais novo a assinar com a Empresa Internacional.

Já tínhamos visto casos semelhantes há uns anos como o Rodrygo Góes, hoje jogador do Real Madrid, ter fechado como então jogador do Santos Futebol Clube, um contrato aos 11 anos de idade e do próprio Neymar, que havia firmado aos 13 anos de idade, entre outros inúmeros casos.

Importante frisar que não estamos querendo interferir na Liberdade Comercial das empresas, porém apenas realizar o questionamento de até que ponto é benéfico para a Criança e também qual a Repercussão Financeira que o Patrocinador de material esportivo terá em fechar com uma criança de 10 anos de idade, onde podemos crer tão somente em uma investida para “garantir” uma potencial Estrela Mundial.

Após todo o arrazoado, vamos para o elo mais fraco de toda essa relação, que é a criança que sonha como muitos em ser jogador e se depara desde cedo com este Mercado Agressivo, com a Pressão Familiar por resultado pessoal para a Independência Financeira de adultos em cima dela, com o uso da sua imagem para obtenção de ganhos financeiros, porém, na maioria dos casos sem o devido Acompanhamento Psicológico e Social.

A preocupação está também nos parâmetros e valores estabelecidos pelo mercado para outras Crianças e gerações, sem talvez o mesmo Talento de todos os atletas citados, pois terão que lidar com as comparações e frustações, não mais no final da Adolescência e início da fase adulta, mas desde os 08, 09 e 10 anos de idade, onde deveria ser apenas uma Fase de Iniciação no Futebol e prazer em descobrir o Esporte. Ressalta-se que muito disso é fruto de atitudes de alguns familiares, que por diversas vezes atrapalham na Formação da Criança e levam a inversão de determinados valores.

Isto tudo não tira o excelente trabalho que muitos Treinadores realizam desde as Escolinhas e Equipes de Iniciação em clubes profissionais, sendo eles, os verdadeiros responsáveis pelo futuro do futebol brasileiro, ora, pouco valorizados e reconhecidos no Mercado.

Por fim, o futebol no Brasil e no mundo é uma ferramenta de Inclusão Social se tornando a válvula propulsora de análises estabelecidas pelas ações praticadas daqueles que nele vivem e trabalham, sendo os influenciadores de atitudes para as próximas gerações não somente em sua seara, mas, principalmente, em toda a sociedade. Portanto, fica a pergunta para todas as pessoas envolvidas com futebol, até onde vai este mercado de crianças que nos espera?

                                                             Felipe Henrique Freitas Sitônio

FORMAÇÃO ACADÊMICA:

  • Graduação em Direito – UniCEUB;
  • Pós-Graduação Lato Sensu – Direito do Trabalho e Previdenciário – UniCEUB;
  • Gestão de Futebol – Confederação Brasileira de Futebol/CBF Academy;
  • Coordenação Técnica da Base-Confederação Brasileira de Futebol/CBF Academy.

EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS:

  • Gerente de Futebol do Sobradinho Esporte Clube (2019);
  • Gerente de Futebol do Taguatinga Esporte Clube (2018);
  • CEO da Conferência Centro-Oeste de Futebol – CONCOFUT (atualmente).