26/09/24 | Leitura 8min
Por Marcus Arboés
Thiago Motta se destacou na última temporada com um estilo de jogo muito autoral no Bologna e foi contratado pela Juventus com muito respaldo para revolucionar o modelo de trabalho da Velha Senhora para reconstruir o time e sua identidade de jogo. Já falaram de sistema tático “2-7-2”, de mistura de posicional e funcional, mas o que mudou do Bologna para cá nessa primeira etapa e como a equipe joga? Vem comigo!
Conhecendo o técnico Thiago Motta
Aos 42 anos, o treinador Thiago Motta, após ter dado um show de técnica na carreira como jogador, tem se destacado pelo trabalho, agora, na beirada do campo como um dos grandes nomes para o futuro do futebol moderno italiano. Seu Bologna foi a grande surpresa da Serie A da Itália, em quinto lugar com 68 pontos, 54 gols marcados, 17 jogos sem sofrer gols e 22 de saldo positivo.
O impacto do bom desempenho do time foi tanto, que os dois principais jogadores do time foram para times tradicionais da Premier League e já estão causando resultados diretos - Zirkzee no Manchester United e Calafiori no Arsenal -, enquanto Saelemaekers foi para a Roma e Kristiansen está sendo aproveitado no Leicester, dos que estavam emprestados. Mas o principal destaque, que rendeu bastante curiosidade, era o estilo de jogo do Bologna, que Thiago Motta definiu como “uma mistura do jogo relacional com o jogo de posição”.
Antes de prosseguir, você pode entender melhor esses conceitos no nosso artigo sobre times híbridos: Times Híbridos São a Nova Tendência Tática do Futebol?
Como jogava o Bologna?
Quando Thiago Motta dizia que seu time jogava em um 2-7-2, a gente precisava tentar ter um olhar com outro sentido pro campinho, observando verticalmente e não a partir do goleiro, que seria um 1-4-3-3 / 1-4-2-3-1. Nesse sistema, dois jogadores (ponta e lateral) ocupam mais o corredor por fora de cada lado, tendo comportamentos mais posicionais, jogando de acordo com as suas posições para dar opção do lado inverso ou atrair a marcação, enquanto os 7 jogadores, incluindo o goleiro, têm mais liberdade de movimentação desde as alturas mais baixas do campo.
Quando começava a construir as suas, sempre um dos meias apoiava a no corredor por fora (geralmente Aebischer), enquanto Zirkzee baixava dos dois lados para fazer um pivô longe da área, recebendo lançamentos diretos ou progressivos, tabelando, gerando um espaço aproveitado pelo outro outro meia (geralmente Ferguson), enquanto Freuler apoiava junto no setor sempre na vigilância. Um lateral avançava, enquanto o outro sustentava uma linha de três com os zagueiros. No destaque, é que todos na saída de bola, que era mais posicional, poderiam trocar de posição, então víamos meias na linha de defesa e zagueiros mais a frente.
E o que mudou na Juventus
O sistema tático tradicional utilizado na Juventus é o 1-4-3-3 / 1-4-2-3-1 (a depender da sua interpretação de como Koopmeiners joga), só que aquele “2-7-2” já não tem sido tão visto nos primeiros jogos desde a pré-temporada. Isso porque Cambiaso, jogando na direita ou na esquerda, funciona como um lateral completamente livre, que aparece como volante quando o time balança para o outro lado, progride por dentro como meia e até faz amplitude no corredor, se for necessário.
Outra grande mudança, que impacta diretamente em alguns padrões ofensivos trabalhados por Motta, é a característica do centroavante. Vlahovic é um 9 mais fixo, de volume aéreo, força, mas tem técnica o suficiente para fazer o pivô e velocidade para se desmarcar. Ainda assim, não tem tanta mobilidade e não gera apoios com suavidade e clareza como Zirkzee, que era um jogador mais relacional/funcional, e que sempre apoiava por onde a bola caía.
Além disso, Yildiz não joga como Orsolini e Saelemaekers. Ainda que, assim como Nico González, que é o ponta direita, ele tenha 1 contra 1 para levar para a linha de fundo, gosta de apoiar por dentro como se fosse um meia atacante, de flutuar e ter um comportamento mais livre, que os pontas mais posicionais agudos do Bologna 23/24 não tinha, atuando como um “falso ponta”. Essas três diferenças específicas nas características dos jogadores causam a mudança na estrutura tática do time, na prática.
Vamos detalhar tudo isso e mais um pouco…
Desde a saída de bola
Assim como no Bologna, apesar de eu entender que o estilo de jogo da Juventus seja híbrido mais funcional, a saída de bola usa vários ferramentas presentes no jogo de posição, como a forma de ocupar os espaços no campo, as trocas posicionais constantes, com dinâmicas para encontrar o homem livre (jogador 1 passa para o jogador 2 marcado com o intuito desse segundo achar um terceiro jogador livre).
Com o goleiro sempre recebendo o primeiro passe, para ter vantagem no numérica contra o encaixe da marcação do adversário no seu campo, há várias possibilidades na saída de bola mais posicional, porém flexível no meio de campo, do time. O movimento de Locatelli como principal linha de passe, apoiando os defensores dos dois lados, guia quem baixa: McKennie ou Koopmeiners, mas se Yildiz se movimentar por dentro, Koopmeiners ou Cambiaso pode jogar por fora.
A ideia é atrair o adversário para o seu campo e verticalizar, tal qual o Bologna fazia. A principal diferença tá no jogo direto. Antes, Zirkzee era procurado baixando para fazer o pivô dos dois lados, agora, os lançamentos diretos, seja de Locatelli, Cambiaso ou outro, são mais comumente lançados para os pontas Nico e Yildiz, e, se for para Vlahovic, é para que ele vença pelo alto, de cabeça, devolvendo para quem vem de frente ou dando uma casquinha para a ultrapassagem dos pontas, na maioria das vezes.
Como ataca?
Como eu disse, apesar do time ser híbrido, o comportamento geral do time é mais funcional, ou seja, os jogadores têm mais liberdade em relação ao sistema tático e não de baseiam primeiramente nas zonas de acordo com as suas posições, se aproximando no setor onde a bola tá. Há variações tanto para atacar por dentro, quanto pelos dois corredores, quase sempre fazendo questão de ter um jogador, pelo menos, sempre ocupando a ala. Onde Cambiaso jogar, poderá haver uma lacuna, enquanto Yildiz e Koopmeiners revezam quem fica mais aberto.
O time forma uma linha de três nos jogadores de trás quando Cambiaso centraliza, com Kalulu ficando mais fixo ao lado de Gatti e Bremer. Locatelli é a base da jogada, sempre onde a bola tá, fazendo a vigilância defensiva (atacar posicionado para tomar a melhor ação defensiva, recompor ou pressionar), enquanto Cambiaso joga por dentro como um apoio para construções por dentro ou para lançar o jogo para o corredor esquerdo. O time forma um 3-2-5 móvel, aposicional/funcional, seja partindo de uma altura média num ataque rápido ou numa jogada cadenciada postada no campo do adversário. O lateral esquerdo é o personagem com mais liberdade no time.
McKennie atua como um segundo volante que ataca espaços vulneráveis, pisando na área, aproveitando lacunas deixadas pelos seus companheiros e sendo opção no jogo aéreo, enquanto Nico González é um ponta mais agudo, que usa sua individualidade e encontra soluções mais por fora, no corredor lateral da área. Ele costuma aproveitar bastante a capacidade de lançamentos em diagonal longa de Cambiaso e de Locatelli, em jogadas mais verticais.
Yildiz e Koopmeiners têm construído um entrosamento muito importante, já que o bloco esquerdo do ataque se resguarda de muita técnica com eles dois, com o holandês se adaptando aos movimentos intuitivos da joia turca. Eles costumam se associar no corredor esquerdo para fazer uma jogada de linha de fundo. Se Yildiz flutua pelo meio, Koopmeiners abre na ponta esquerda. Se Yildiz recebe aberto após Cambiaso atrair a marcação e gerar uma linha de passe, Koopmeiners ataca a linha de fundo para distrair a defesa adversária da entrada da área para o turco conduzir para dentro e finalizar.
O balanço do time funciona sempre a partir das aproximações, com mais mobilidade do lado esquerdo, mas também há dinâmicas do lado direito para Kalulu atacar espaço por fora ou por dentro na ala direita, no espaço deixado por Nico, enquanto McKennie usa seus movimentos para enganar a marcação e gerar opções por dentro.
Como defende?
No vídeo acima, mostramos o exemplo da Juve marcando em bloco alto, algo que está sendo mais visto na Velha Senhora, em proporção, se compararmos com o Bologna, acredito que pela capacidade de controle de profundidade da linha de defensores em caso de lançamento nas costas da marcação. De toda forma, nessa altura, o time de Motta faz uma marcação mais individual, com perseguições bem agressivas e longas, de forma que a maioria dos jogadores se posicione para aproveitar passes errados do adversário. Locatelli protege as costas da segunda linha de marcação e os laterais avançam bastante no campo do adversário perseguindo.
Claro que a marcação é feita em todas as alturas no mesmo jogo e varia de acordo com os adversários, mas, no geral, o time se defende mais em bloco médio até aqui na temporada. Marcando em 4-1-4-1 / 4-1-2-3 por encaixes individuais, ou seja, partindo desses sistema tático, mas com cada jogador defendendo o setor de acordo com a sua posição. O que mais me chamou a atenção é que eles não marcam o portador da bola com pressão, nessa altura, só vão sondando e gerando espaços isca, porque a real pressão é feita pelos meias e laterais no oponente que recebe a bola, enquanto os atacantes já vão “marcando preparados para atacar espaço”, ou seja, fazendo a vigilância ofensiva. Esse comportamento de defender atacando é feito em todas as alturas, a prioridade é a transição ofensiva em contra-ataque.
Em bloco baixo, bem compacto, a Juventus tem se defendido em 4-1-4-1, também por encaixes individuais, mas com perseguições mais curtas e menos agressivas do que quando defende mais longe do próprio gol. Na maioria dos jogos que vi, há uma tendência de atrair o adversário para o lado do campo para tentar gerar superioridade numérica defensiva pela ala: 2 contra 1 (lateral e ponta marcando) ou 3 contra 2 (meia do lado atacado somando). Koopmeiners e McKennie cumprem essa função, mas Locatelli também pode fazer isso.
E o grande destaque fica para o primeiro volante da Juventus, porque ele é a base da defesa do time. É quem tem o comportamento mais “livre”, pois é responsável por defender o espaço entre as duas linhas de marcação, onde geralmente tem um camisa 10 mais móvel gerando apoio em uma zona mais perigosa. Numa situação de jogo aéreo ou contra times que colocam 5 ou 6 homens na linha de ataque, ele desce como se fosse um zagueiro, marcando em um 5-4-1, já que tem boa estatura. Assim como o Bologna, a Velha Senhora de Thiago Motta já se mostra bem capaz de se defender no jogo aéreo.
Últimos detalhes
Apesar de ser ítalo brasileiro, Thiago Motta não tem priorizado os jogadores brasileiros até o momento. Douglas Luiz, provavelmente, por exigir uma adaptação maior até ao futebol italiano, enquanto McKennie e Koopmeiners têm jogado bem, Arthur porque sequer é uma real opção do treinador e Danilo que, apesar de ser um dos líderes do time, é última opção - quando Gatti se machucou, Kalulu jogou de zagueiro e o jovem Savona entrou na lateral. Até Cabal pode entrar na esquerda para Cambiaso ir para a direita. Só Bremer joga mais e é titular absoluto, o melhor zagueiro do elenco.
Outros jogadores têm tido oportunidades com o treinador. Samuel Mbangula, de 20 anos, tem jogado como ponta esquerda, com Yildiz centralizado atuando mais como um meia livre. Weah joga nas duas pontas e, recentemente, até entrou como camisa 9 no lugar de Vlahovic, fazendo uma função de falso 9 com mais liberdade que o sérvio. Fagioli e Thuram entram menos que Douglas Luiz, mas a expectativa era a de que o brasileiro fosse titular.
No geral, vemos um Thiago Motta mais flexível, uma Juventus, no geral, mais funcional/aposicional que o Bologna e um time que ainda precisa encontrar mais entrosamento e sensibilidade para usar os espaços de forma que gere gols, principalmente nos jogos da Liga. A defesa, no geral, já começou muito bem!
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