Futebol Interativo

09/12/24 | Leitura 9min

A Tática Multicultural do Mônaco de Adi Hütter

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A Tática Multicultural do Mônaco de Adi Hütter


Por Marcus Arboés

Uma das surpresas do futebol europeu no começo da temporada 24/25 é o Mônaco de Adi Hütter, com um início meteórico tanto na Ligue 1, quanto na Champions Leauge. O grande destaque do time é como o treinador soma diferentes talentos individuais com diferentes culturas de jogo encaixando em uma tática flexível!

Vitor Roque

A filosofia do treinador

Quando chegou ao Mônaco, Adi Hütter prometeu que o clube jogaria um futebol envolvente e agressivo, a promessa foi completamente cumprida. Austríaco, Hütter se formou na escola RedBull de treinadores, passando pelos times da Red Bull e no futebol alemão. Algumas características táticas da equipe, inclusive, são advindas dessa experiência.

Um ponto muito interessante, tratado desde o início da trajetória pelo treinador é a adaptabilidade para trabalhar com jogadores jovens. Naquela altura, já citava valores como Akliouche e Ben Seghir, que têm cadeira cativa no time titular, que é uma mistura de jovens atletas com jogadores em idade de pico. Seu elenco atual é bastante jovem, com uma média de 21 a 22 anos, contando com muitos garotos com minutagem considerável.

Isso acontece porque Adi não olha para a idade e sim para o que o jogador tem a entregá-lo, ou seja, uma concepção individual do jogador. Isso não faz parte dos seus princípios como técnico quando falamos da questão etária, mas também cultural. Atualmente, o quinteto de meio de campo titular conta com dois volantes: um suíço e um senegalês e um trio de frente que varia bastante, cujas nacionalidades são: marroquino, francês, russo, japonês e, se considerarmos a variação com Balogun de ponta, até os Estados Unidos entram.

É interessante pensarmos nisso justamente porque Hütter alça sua carreira no RB Salzburg, um clube conhecido por captar, formar e vender talentos de diferentes lugares do mundo inteiro. Além de trabalhar com jovens, o técnico acaba tendo contato com diferentes culturas, estilos de jogo e padrões completamente diferentes. Imagine a capacidade de gestão de pessoas para lidar com isso. Mas faz sentido, em Mônaco, uma cidade turística, cosmopolita, independente, que bebe de duas grandes fontes culturais - Itália e França - e abraça o estrangeiro.

Essa multiculturalidade não fica da porta do estádio para fora, afinal, os espaços onde esses jogadores foram desenvolvidos, as questões culturais e sociais de dentro de casa e dos outros ambientes de desenvolvimento pessoal, também possuem interferência na convivência, na personalidade, nos padrões comportamentais, na expressão comportamental e, por tudo isso, no estilo de jogo, também.

Por isso, para entender como o Mônaco joga e até como varia o seu jogo, precisamos conhecer alguns personagens que compõem o “4-2-3-1” do técnico austríaco.

Vitor Roque

Takumi Minamino

Japonês, 1995. Minamino é um meia-atacante que se destaca bastante pela sua leitura de espaços e movimentos de se desmarcar e aproximar, com boa velocidade de ação e definição das jogadas, um típico jogador de intensidade que não é necessariamente muito físico. Apesar de gostar de jogar por trás do 9, ele é mais um meia que tem funções de conexão e usar/gerar espaços se desmarcando do que um armador.

Foi lançado muito novo ao profissional por Levir Culpi no Cerezo Osaka, teve sucesso imediato e foi para o RB Salzburg, da Áustria, onde foi treinador por Adi Hütter aos 20 anos de idade. Jogou com Haaland e outros atletas por lá, conquistou títulos e encantou Klöpp, que o entende como “o sonho de qualquer treinador”, uma pessoa boa de lidar no dia a dia que se esforça para que os outros se sintam bem. Em linguagem de videogame, Minamino é um suporte e isso se expressa na tática: ele aproveita e gera espaços - a lógica de ataque do time. Ele cumpre essas funções jogando nas pontas ou por dentro.

Vitor Roque

Aleksandr Golovin

Russo, 1996. Diferente de Minamino, Golovin, assim como a maioria dos russos, é um cara de perfil mais sério, que também teve uma rápida ascensão no futebol local, quando foi revelado pelo CSKA Moscou, ganhou a Euro sub17 e logo chegou chamando a atenção na seleção principal, jogando Copa do Mundo ainda bem jovem. Desde 2018, é jogador do Mônaco e, atualmente, veste a camisa 10.

Essa é a camisa que representa a sua função dentro de campo: quando o time precisa de um armador de jogo curto e apoiado, mais técnico, que consiga pensar as jogadas, seja como um meia ofensivo centralizado no 4-2-3-1 ou como um “falso ponta” pela esquerda, sempre flutuando para o meio e dando opção, afinal, Golovin é cria do futsal e desenvolveu um controle de bola excelente e uma capacidade incrível de trabalhar em jogadas de aproximação e tabelas. Não à toa, tem um entrosamento considerável com Caio Henrique, lateral esquerdo brasileiro do time.

Vitor Roque

Maghnes Akliouche

Francês, 2002. Akliouche é um jovem ponta direita extremamente habilidoso que pode funcionar como “arco e flecha”. Gosta de jogar com liberdade para flutuar para o meio, progredir tabelando, driblando da direita para o centro e tanto fazendo lançamentos quanto atacando espaços em velocidade. É o tipo de ponta direita que todo treinador gostaria de ter, porque te oferece tanto um jogo mais apoiado, quanto um estilo vertical.

A habilidade para driblar, controlar a bola e improvisar com certeza veio da infância. Akliouche cresceu num subúrbio no norte de Paris chamado Tremblay-en-France, onde desenvolveu sua paixão pelo jogo. Apesar do apelo da seleção argelina, ele decidiu seguir o mesmo caminho que Benzema e Zidane, representando a seleção francesa, ainda que tenha raízes familiares na Argélia.

Vitor Roque

Eliesse Ben Seghir

Marroquino, 2005. Uma das grandes surpresas do futebol francês, Ben Seghir caminhou por outras vias em relação a Akliouche e decidiu aceitar o convite de Marrocos para representar a seleção das raízes da sua família, por mais que tenha nascido e representado a seleção francesa em algumas categorias das seleções de base.

É uma joia que está se lapidando muito rápido, com uma capacidade de driblar rápido e com uma estética que chama a atenção, também pelo poder de finalizar e ser decisivo em curtos espaços, seja jogando como um meia-atacante driblador ou um ponta esquerda de um contra um. Gosta de jogar próximo de jogadores que usa como apoio para progredir por dentro. Muito lúcido para a idade e um triunfo de Walid Regragui, técnico marroquino.


Como esses jogadores se conectam?

Conhecendo as principais características dos quatro jogadores que revezam no “coração” da tática do Mônaco, podemos entender mais ou menos como funciona o 4-2-3-1 adotado pelo técnico, que muitas vezes é lido de outras formas, como 3-4-2-1 ou até 3-1-5-1, por um motivo bem específico: a galera do meio de campo tem bastante liberdade para sair da posição e aproximar de quem tem a posse da bola, sem abrir mão do princípio de agressividade, velocidade e verticalidade da equipe.

Singo (Costa do Marfim) e Kehrer (Alemanha) são os zagueiros titulares, que atuam com muita responsabilidade na vigilância defensiva. Salisu (Gana) costuma ter seus minutos, também. As laterais são dominadas por dois brasileiros: Vanderson, um jogador muito agudo e habilidoso, que veio do Grêmio e Caio Henrique, com passagem de sucesso pelo Fluminense, que tanto contribui com a construção, quanto cria um bom volume de jogo ofensivo. Ambos atuam atacando espaço e possuem Teze (Holanda) e Mawissa (França) como reservas.

Para poder liberar os laterais para explorar bastante o corredor ofensivamente, Adi Hütter conta sempre com volantes que têm bons comportamentos pós-perda e ajudam a contectar o time com o campo de ataque com qualidade. Zakaria (Suíça) é um dos líderes do time, primeiro volante forte e técnico, organizador, e Lamine Camara (Senegal) é um dos jogadores mais promissores do futebol europeu, habilidoso e muito técnico, um segundo volante que gosta de participar das interações e de jogar com mais liberdade pelo meio. Eles sempre apoiam em conjunto por onde a bola vai e Zakaria compensa as ações de Camara.

Enquanto os alas brasileiros ocupam os corredores externos - ainda que possam trocar de corredor com o ponta mais próximo -, o trio de criação joga com bastante liberdade por dentro. Há várias configurações possíveis, considerando as características que foram explicadas anteriormente:

(PE - MA - PD)

  • Minamino - Ben Seghir - Akliouche: jogo mais propenso a verticalidade e ataque a espaços
  • Ben Seghir - Minamino - Akliouche: verticalidade, mas 1vs1 e superioridade técnica nas pontas
  • Golovin - Ben Seghir - Akliouche: jogo de mais aproximação e interações de jogo curto, ainda que verticais
  • Golovin - Ben Seghir - Minamino: mais verticalidade na direita e construção na esquerda
  • Golovin - Minamino - Akliouche: armação entre os pontas e segundo atacante avançando no espaço em conexão com o centroavante
  • Ben Seghir - Golovin - Akliouche: um armador por dentro buscando dar apoios para construir com dois pontas habilidosos no um contra um


A saída de bola

Na base da jogada, o time parte de uma estrutura mais posicional e usa bastante o goleiro Majecki, formando um 4-2-5, ou algo do tipo. O zagueiro direito abre na lateral e o lateral direito sobe para a ponta, enquanto o ponta direita fica como um meia direita por dentro, baixando como mais uma opção de saída por dentro, tendo Makechi, o goleiro, ao lado do zagueiro esquerdo.

Um dos princípios básico dessa primeira fase de posse do time é dar um jeito de conseguir usar as costas da marcação adversária e, para isso, usa bastante o centroavante, seja Balogun ou Embolo na função, com lançamentos diretos vindo do zagueiro ou do goleiro ou com uma jogada construída por baixo por um dos lados do campo como pode ser visto no quadro acima.


Princípios ofensivos

A estrutura do time em 4-2-3-1 propicia um ataque funcional híbrido, onde, geralmente, só os zagueiros e os laterais guardam mais posição, enquanto quem joga por dentro busca aproximações para sempre gerar superioridade pelo meio. Atualmente, de 5 contra 3 ou 4 adversários, dada a formação utilizada, na prática. Com esse estilo de jogo, o treinador pode se adequar a diferentes tipos de adversário e a diferentes contextos de jogo trocando peças e características.

Para isso, é muito comum que o Mônaco faça uma sobrecarga de um lado só do campo. A grande maioria dos jogadores se move para o setor onde a bola está, geralmente no corredor externo, por onde se tenta progredir com uma troca de passes, tabela ou jogada de ultrapassagem. Caso congestione, o time pode fingir que vai trocar de corredor e tentar de novo por fora ou fazer uma inversão para o outro lado. Por exemplo: da esquerda para a direita, é comum Akliouche ou Vanderson receberem em condição de aprofundar a jogada ou trazê-la para dentro e encontrar algum lançamento na zona central. Por isso, Adi Hütter nunca abre mão de ter um jogador sempre em amplitude do lado oposto.

Em praticamente toda jogada bem construída dos comandados de Adi Hütter, é possível observar que alguém está tentando gerar um espaço, ou seja, atrair um adversário, para que um companheiro se projete e receba a bola naquele local. Quem mais dialoga bem com essas dinâmicas é o japonês Minamino, que tem uma leitura de jogo muito acima da média e interpreta muito bem a troca de espaços, inclusive, utiliza o contra-movimento como uma arma: quando ele finge que vai aproximar para receber o passe e ataca o espaço em velocidade para receber em vantagem, enganando seu marcador.

Outra possibilidade de ataque, principalmente com Golovin, que joga ao pé invertido na ponta esquerda, é trazer a jogada para a base para tentar um cruzamento da intermediária para a ponta do lado oposto, onde um dos atacantes ou o lateral do outro lado pode estar atacando espaço, como visto no quadro abaixo:


Verticalidade, velocidade e agressividade. Esses conceitos norteiam como o time deve atacar, ainda que nós vejamos todo esse arsenal de criatividade para o Mônaco atacar por todos os corredores, ainda que haja uma preferência em encontrar espaços por fora. Por isso, o Mônaco tende a tentar vários ataques mais rápidos através de lançamentos longos. Veja algumas variações e ferramentas de jogo utilizadas pela equipe para aproveitar os espaços nas costas da marcação:


Principalmente logo após a saída de bola, quando o time ainda está postado no próprio campo, além do lançamento direto do goleiro, os jogadores podem tentar uma interação por baixo. Perceba no exemplo que Akliouche, recebe, toca para o lateral, um dos volantes serve de apoio para lançar o ponta se desmarcando, criando uma dinâmica de terceiro homem para lançar a bola.

Contra adversários que se defendem de forma compacta e em bloco médio, como foi contra o Barcelona com um a menos e contra o Dinamo Zagreb, na Champions League, o centroavante baixa para que o trio aproveite os espaços na desatenção dos zagueiros adversários, recebendo lançamentos em profundidade.

Nessa e nas jogadas seguintes, podemos ver um padrão: um dos defensores recebendo com liberdade e ângulo para fazer um lançamento em situação de bola descoberta. Isso acontece pela rapidez que o time tem quando balança todo para um lado do campo e inverte a bola na base da jogada. Se for o lateral recebendo, é comum buscar um passe no ponta se desmarcando do centro para fora. Se um zagueiro recebe, ele pode ganhar campo ou lançar o lateral em amplitude. Independente da situação, quase sempre com alguém tentando enganar a marcação oponente para gerar um espaço.

Princípios defensivos

A agressividade também é adotada na marcação do Mônaco que, antes de tudo, começa quando o time está no ataque, afinal, a dupla de volantes está sempre posicionada de forma que esteja preparada para recompor em transição defensiva ou tentar dar o bote ainda no campo de ataque. Praticamente, todos os titulares do time são jogadores com capacidade de marcação compatível com as suas posições. Os laterais, bem ofensivos, também são bem exigidos fisicamente na recomposição. É uma equipe que se expõe bastante.

Defensivamente, a estratégia do time costuma se adaptar a como o adversário pretende jogar. No geral, em bloco alto, o Mônaco tem uma postura bem agressiva, pressionando individualmente todos os jogadores do time adversário, diferente do habitual, que deixa um zagueiro na sobra sem marcar ninguém, ou seja, adota uma postura mais arriscada. Com isso, é comum também darem maior margem para alguém receber na lateral do campo, onde costumam deixar armadilhas prontas para fazer o desarme ainda no campo do adversário.


No próprio campo, a estrutura não importa muito. Geralmente, o desenho é um 4-1-4-1, mas pode ser um 4-2-3-1, um 4-4-2, um 5-4-1… tudo depende do adversário. Porém, há princípios defensivos que se mantêm. O time faz uma marcação por zona pressionante bastante agressiva. Quando a bola chega na lateral, algo que é induzido, o defensor daquele lado salta a marcação, enquanto os demais tentam compensar os espaços deixados, mantendo um comportamento por zona que vai moldando o desenho tático defensivo. Quando o adversário é bloqueado e tenta retornar para recomeçar, o centroavante costuma fazer o primeiro saldo da pressão e, estrategicamente, os demais jogadores do meio para a frente fazem saltos de marcação individual para forçar o adversário ao erro.

Vitor Roque

Ele prometeu e cumpriu. O Mônaco, de fato, tem jogado um futebol agressivo, envolvente e de muita intensidade. E não precisou moldar jogadores a uma ideia de jogo. Adi Hütter montou um time interessante desenvolvendo uma capacidade de adaptação e variação diante de diferentes contextos através das peças que tem no elenco e dos investimentos feitos pelo clube. Uma cidade multicultural, com um time de futebol multicultural, nas experiências e na tática!


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