Futebol Interativo

12/09/24 | Leitura 6min

Times Híbridos São a Nova Tendência Tática do Futebol?

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TIMES HÍBRIDOS SÃO A NOVA TENDÊNCIA TÁTICA DO FUTEBOL?


Por Marcus Arboés

Após a última final de Mundial de Clubes, entre Fluminense e Manchester City, um grande tema, que já vinha sendo discutido desde meados de 2019-2020, na comunidade da tática: a diferença estrutural de como os times de Fernando Diniz e os times de Pep Guardiola gostam de ter a posse da bola contra os seus adversários. Um ano depois, dois times chamam a atenção dos consumidores, pelos seus estilos de jogar e pelo sucesso: o Bologna de Thiago Motta e o Bayer Leverkusen de Xabi Alonso. Essas duas sensações da temporada 23-24 têm algo em comum, são times de estilo de jogo híbrido!

Entendendo os termos, para não haver confusão:

Durante um bom tempo, aqui no Brasil, a nomenclatura para definir a organização ofensiva, ou seja, momento em que um time tem a posse da bola para atacar, foi baseada na literatura portuguesa, onde Castelo e Garganta propuseram o ataque rápido, o ataque posicional, o ataque direto e o contra-ataque (que posteriormente, por convenção, se entende como uma transição ofensiva).

Nessa definição, o ataque rápido tinha menos toques na bola, predominância de passes verticais e menos jogadores participando; o ataque posicional tinha mais toques na bola, predominância de passes horizontais e mais jogadores participando; o jogo direto, por sua vez, era quando a etapa de construção era pulada com um lançamento que quebra linhas por baixo ou por cima, algo muito feito por equipes que usam o físico e a profundidade do campo. Uma classificação baseada mais no tempo e na direção da jogada.

Mas se formos classificar o Fluminense de Diniz e o Manchester City de Guardiolas, ambos os times preferiam atacar usando muitos jogadores na fase de ataque, têm predominância de passes horizontais, trocam muito passe, com mais cadência e paciência para chegar ao gol adversário, jogando um futebol propositivo. Porém, qualquer pessoa que assista, vai ver que são times muito diferentes no jeito de jogar, então como diferenciá-los?

É aqui onde surge ataque funcional e uma nova definição para ataque posicional. Nessa proposta de classificação, um perfil paródia do twitter, auto entitulado Húngaro, sugeriu que times posicionais são aqueles que, como no Jogo de Posição, se organizam através dos espaços do campo, da posição dos jogadores e os times funcionais, aqueles que se organizam através de onde a bola está, da função dos jogadores.

Essa mudança de sentido para o termo posicional gerou uma grande confusão e parte da comunidade do futebol não aceitou bem a proposta, inclusive tratando o termo “funcional” como negacionismo e anti-ciência, pautado na falta de rigor científico de ter sido algo proposto por um fake de rede social. Porém, na própria classificação portuguesa, o termo posicional poderia ser facilmente substituído por “ataque cadenciado”, que até contrastaria melhor semanticamente com ataque rápido.

Independente disso, hoje há publicações científicas e pesquisas sobre isso. O teórico escocês Jamie Hamilton, por exemplo, difundiu essa mesma diferença como posicionismo x relacionismo, enquanto Diniz definiu seu time como “aposicional”. Hoje, a CBF já trabalhou o conceito como “jogo de mobilidade” e é algo estudado nas licenças UEFA da Itália, com artigos de rigor científico publicados em diversos países diferentes.

De toda forma, vamos entender a diferença.

Jogo posicional:


Manchester City de Guardiola, Espanha de de La Fuente, Barcelona de Hansi Flick, todos esses são times que, prioritariamente, se organizam através do espaço, onde há algumas características que embasam essa forma de ter a bola:

  • Organizar-se a partir do sistema tático pré-definido para cada fase do jogo
  • Organizar-se a partir do espaço, pois os jogadores guardam mais posição
  • Ocupação dos 5 (ou 4) corredores verticais do campo
  • Mais circulação da bola pelos setores do que dos jogadores
  • Maior uso e domínio das extensões do campo
  • Menor tendência a aproximações
  • Maior tendência a uso da amplitude

Jogo funcional ou aposicional / relacionismo:


Fluminense de Fernando Diniz, Argentina de Scaloni e Real Madrid de Ancelotti. Essas equipes, apesar de diferentes, também possuem algo em comum: a quantidade de liberdade de movimentação em relação ao sistema tático que dão aos seus jogadores. Veja:

  • Não se prender ao sistema tático pré-definido para cada fase, com maior liberdade
  • Organizar-se a partir da posição da bola, pois os jogadores não precisam guardar posição
  • Não utiliza os corredores verticais do campo como referência de espaço
  • Mais circulação dos jogadores pelos setores
  • Menor uso e domínio das extensões do campo
  • Maior tendência a aproximações
  • Menor tendência a uso da amplitude

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É bom entendermos que assim como a classificação rápido x posicional é incompleta, essa também é. Para dizer exatamente como um time joga, é preciso também falar das dinâmicas dentro de cada padrão de jogo e de que forma tentam chegar ao gol, também. Ou seja, um time pode ser posicional mais rápido (Abel Ferreira, Klopp), posicional mais cadenciado (Guardiola, Rogério Ceni), funcional/aposicional mais rápido (Inter de Milão, Jorge Jesus) ou funcional/aposicional mais cadenciado (Fluminense, Real Madrid) e variar entre essas possibilidades no jogo.

Também é interessante desmistificar os rótulos: posicional não significa rigidez e time estático, além de ter trocas de posição mantendo o esquema de jogo, depende um pouco mais do modelo do treinador como referência; funcional não significa caos e desorganização, ou um futebol ultrapassado, apenas tende a utilizar mais independência dos jogadores ao que foi planejado. Não poderia esquecer, também, de dizer que Jogo de Posição não é a mesma coisa que Ataque Posicional, que seria só uma das várias ferramentas do JDP.

Afinal, todo time, por mais posicional que seja, pode ter um elemento livre, um jogador com mais liberdade posicional: o City já jogou com De Bruyne assim, livre para movimentar-se em todos os setores quebrando o sistema tático. Times funcionais podem ter um jogador que guarda posição, ou seja, tem um comportamento mais posicional: o Fluminense ganhou jogos na Libertadores 2023 com Árias fazendo espetado no lado direito, sem aproximar. O jogo funcional também usa a amplitude, enquanto o jogo posicional também realiza aproximações. Não é algo 8 ou 80!

E o que são times híbridos?

Imagine que um time tem jogadores com maior liberdade posicional, como explicado antes, e outros que guardam mais posição na composição do seu jogo. Ou seja, são ideias de jogo que mesclam elementos posicionais e aposicionais em maior equilíbrio. Essas equipes têm se destacado no contexto internacional, mas isso não é necessariamente uma novidade. Pode se tornar uma tendência justamente porque o modelo posicional passou a ter dominância no mundo após 2014 para dar mais organização espacial, controle e vantagem, mas vemos muitos times repetindo o mesmo modelo tático em 3-2-5 / 2-3-5 na fase de ataque, com uma ou outra variação. Os elementos funcionais surgem como um antídoto de maior imprevisibilidade, tornando esses times híbridos, veja os exemplos:


O Bayer Leverkusen de Xabi Alonso é exemplo de um time que pratica o Jogo de Posição, fazendo um ataque mais posicional em organização ofensiva, mas é um exemplo de time híbrido que obteve grande sucesso na última temporada. No 3-4-2-1, o time acaba formando um “quadrado móvel”, onde os quatro jogadores de amarelo que atuam por dentro têm maior liberdade em relação ao sistema tático, logo, à posição de origem e ao domínio dos espaços. Não são trocas de posição mantendo o sistema, mas movimentação livre por dentro.


Mas por que o próprio Thiago Motta, ainda que use elementos do Jogo de Posição na saída de bola e no ataque, não define seu time dessa forma, tal qual Spalletti vê semelhanças das suas ideias com as dele? No Bologna, e agora na Juventus, há uma maior quantidade de jogadores com liberdade posicional na grande faixa central do campo.

Ainda que seja um time híbrido e parte de posições pré-definidas, só laterais e pontas no modelo de jogo do técnico possuem comportamentos posicionais, tanto de guardar a zona do campo, quanto de movimentar-se para outra.

A diferença, portanto, na hora de classificar o estilo de jogo do time como posicional ou funcional/aposicional, está na quantidade de jogadores que têm comportamentos mais ou menos posicionais, além da predominância das intenções do time, como foi explicado mais acima.

Esse tipo de modelo de jogo, que abraça as duas diferentes formas de utilizar o espaço e a posição do jogador, como já dito, não é uma novidade, é algo que sempre existiu no futebol. Mas, diante de um período de amplo domínio de ideias posicionais, novos padrões de mudança e modelos autorais vão surgindo e, se bem praticados, obtendo sucesso.

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