19/11/24 | Leitura 6min
Por Marcus Arboés
Viktor Gyökeres foi uma das grandes surpresas do futebol mundial na última temporada e tem chamado a atenção pelo número de gols no Sporting. Mas onde o centroavante sueco esteve se escondendo, até esse momento, e como chegou até aqui? A história do Mascarado quebra algumas respostas prontas do futebol moderno. Vem que te conto!
Viktor, o teimoso chorão
A imagem acima foi um dos cenários mais vistos da infância e da adolescência de Viktor Gyökeres em Estocolmo, na Suécia. Um lugar que, quando atacado pelo inverno mais assustador, nem o maior esforço consegue tirar a cobertura de neve dos gramados.
A capital do país, um dos mais históricos do futebol europeu, é dividida em 14 ilhas e várias pontes, com diferentes sub-regiões. Na organização do desenvolvimento do futebol sueco, há múltiplos times federados, principalmente em Estocolmo, onde cada região tem seu clube, seus campinhos de treinamento, onde jogam os garotos daquele bairro. Assim, os meninos e as meninas podem jogar futebol juntos com seus amigos, o que torna a experiência mais divertida.
Nesse cenário, há o IFK Aspudden-Tellus - que poucas vezes é citado quando falam dos números e trajetória de Gyökeres -, um clube tão simples, mas tão simples, que os treinadores guardam as bolas e outros materiais nos próprios carros porque não há espaço na sede. Que é mais um espaço para juntar os meninos do bairro e seus pais pararem lá para tomar uma xícara de café quente para desviar do frio, enquanto suas crianças se divertiam e aprendiam a jogar futebol.
Só que essa não era a rotina de Stefan, pai de Viktor, já que ele era um dos treinadores dos times de jovens e até hoje está envolvido com o esporte dessa forma. Além disso, seu filho, no meio de todos aquelas crianças, era um tanto peculiar. Profissionais que o viram crescer naquele campinho, dizem o mesmo: Viktor Gyökeres era um chorão.
Às vezes, no futebol e na vida, choro é visto como um sinal de fraqueza, mas na prática, uma criança chorando é apenas ela tentando lidar com as emoções que estão ali dentro. E Viktor chorava justamente por ser um vencedor nato, desde cedo. Não porque ele sempre vencia, mas porque ele não aceitava a derrota, sempre que perdia, chorava, era extremamente competitivo e, até por isso, individualista, difícil de lidar e extremamente teimoso.
Aquele menino chamava a atenção justamente porque ele levava futebol muito a sério para a idade e, por isso, no lugar de brincar e interagir mais com os outros garotos, ele era mais fechado e estava sempre treinando incansavelmente, nem que fosse jogando bola sozinho. Com esse comportamento, acabava sempre brigando com os colegas de time e, muitas vezes, terminava o dia em choro, só que com alguns gols guardados.
No Aspudden-Tellus, ficou dos 10 aos 16 anos de idade. Nesse caminho, times grandes da Suécia já tinham observado seu talento, como o Hammarby e o AIK, mas seu destino já era conhecido desde o começo. Ainda aos 10, em um torneio local, Gyökeres foi observado pelo scout do Brommapojkarna, por onde, vez ou outra, disputava uma ou outra competição, justamente para mantê-lo ligado ao clube.
David Eklund, agora ex-scout do clube, explicou para um podcast português que não houve pressa na contratação, porque ele sempre esteve ligado ao Brommapojkarna e porque seu pai, Stefan Gyökeres, era um bom treinador nas condições que o clube avaliava.
Diferente do que geralmente acontece, o caso do centroavante representa que nem todo jogador precisa ir para um grande clube de cara para alcançar o estrelato. Talvez, para Viktor, se desenvolver perto de casa, tenha sido melhor, mesmo num clube modesto. No IFK Aspudden-Tellus, naquele campinho nevado, ninguém é invisível.
Brommapojkarna, a maior base da Europa
Qualquer jornalista ou analista que for pesquisar mais sobre o passado do sueco, vai dar de cara com esse nome complicadíssimo de falar e de escrever, mas o Idrottsföreningen Brommapojkarna, ou Bromma, também pode ser conhecido só como BP. Algumas pontes de distância, ao Noroeste da cidade de Estocolmo, o Viktor encontraria seu já prometido destino, a maior base de futebol da Europa.
Você deve estar questionando essa informação, mas é fato que o IF Brommapojkarna possui a maior base do continente europeu em número de jogadores registrados. São mais de 3000 atletas, em mais de 247 times em todas as idades, com diferentes modelos de equipe - as competitivas, para os que querem jogar futebol profissional e as escolinhas, para crianças que jogam futebol por lazer. São, em média, 30 equipes por categoria, em um modelo que recebe suas críticas pela visão meritocrática.
Imagine o nível de competitividade. Foi esse ambiente que lançou ao mundo jogadores como o jovem promissor Bergvall, o atacante Guidetti, o lateral Augustinsson, os irmãos Albin e Hjalmar Ekdal, dentre outros. Mas a receita do sucesso está numa filosofia da qual o time não abre mão: desenvolver jovens talentos.
Você talvez nem conheça o BP, porque é um time que vive caindo e subindo de divisão, sempre disputando entre o terceiro e o primeiro escalão do futebol sueco, mas se você for ver a fundo, perceberá que a grande maioria dos jogadores são muito jovens. A média de idade do plantel atual, por exemplo, é de 24,5 anos, tendo pouquíssimos estrangeiros no elenco. Eles preferem ser rebaixados oportunizando jovens do que ter sucesso investindo em jogadores experientes ou no auge físico do mercado local.
Fatidicamente, apesar de ser acompanhado a adolescência inteira pelo BP, Gyökeres só foi de fato para o time vermelho e preto aos 16 anos de idade, mas não demorou para que ele tivesse sucesso. Na base, ele teve um foco maior no desenvolvimento e refinamento técnico, mas chamava atenção pela capacidade física absurda para encontrar soluções em diferentes contextos.
Em uma conversa de bar, seu destino mudou. O Brommapojkarna precisava suprir uma lacuna com um centroavante, então aquele olheiro que já citei, David Eklund, convenceu o então treinador da equipe principal, Magni Fannberg Magnússon, ou só “Mister BP”, a lançá-lo para a categoria máxima.
A princípio, o Mister BP não o queria, por entendê-lo como um jogador que se valia demais do físico, enquanto David entendia que ele era tão absurdo nesse quesito, que poderia se sobressair. Mas essa negativa veio de uma filosofia do time: “ele e a bola”, onde o foco está no refinamento técnico acima de tudo, sob uma perspectiva de treino e desenvolvimento mais individualizado do que o comum. Ainda assim, Magni aceitou e o clube não se arrependeu.
Nos dois clubes de base pelo qual passou, ele era compreendido como um jogador super individualista, que não gostava de passar a bola. Enquanto o BP formava vários jogadores “iguais”, Viktor era completamente diferente, justamente por crescer e se formar num contexto muito mais livre e específico, ele tinha um comportamento mais “selvagem e teimoso”, chegando até a dizer “não sou um maldito lateral”, quando o treinador pediu que os pontas recuassem para marcar em um jogo.
Assim que subiu para o profissional, ainda com 17, Gyökeres fez uns golzinhos e entrou em algumas partidas, mas viu o Brommapojkarna ser rebaixado para a terceira divisão sueca. No ano seguinte, já sob o comando de Olof Mellberg, conseguiu ir bem e subiu de volta para a segunda divisão, já sendo titular e fazendo mais gols. Na temporada seguinte, o BP conseguiu subir de divisão já com Gyökeres tendo bastante protagonismo e sendo cogitado em times grandes da primeira divisão do país.
Quando perguntado em entrevista, ele respondeu que não sabia de nada, com o sorriso de quem já sabia. Após se destacar em um campeonato europeu sub-17 pela Suécia, os olheiros do Brighton & Hove, da Inglaterra, o captaram. Um tempo depois, ele seria comprado por 1 milhão de euros e sairia não só de Estocolmo, mas da Suécia, de casa, para jogar num time onde reencontraria, curiosamente, Graham Potter, o técnico que ele enfrentou na sua estreia como profissional.
Hundår, os anos difíceis
Gyökeres saiu de casa sem jogar na primeira divisão do seu país, com 29 gols marcados no profissional e 9 assistências anotadas em menos de 70 jogos, ao todo. Só que, na Suécia, há uma expressão chamada “hundår”, que significa “anos de cachorro”, na tradução literal, e “anos difíceis”, no significado prático. Foi exatamente por isso que ele passou.
Apesar de ter características muito exigidas pelo futebol inglês, ele nunca conseguiu se firmar no Brighton & Hove Albion. De primeira, ele foi lançado para o time que jogava a divisão sub-23, onde tem uma média de mais de um gol por jogo e conseguiu subir a equipe, mas no profissional, só chegou a jogar jogos de Copa, com todos os diferentes treinadores que passaram por lá. Nesse período, ele já era convocado, vez ou outra, para jogos da seleção sueca.
Após não chegar nem a jogar na Premier League sob o comando de Chris Hughton, Viktor foi emprestado para o St. Pauli, da segunda divisão alemã. Por lá, conseguiu ter mais minutagem e chegou a ter 11 participações em gols em 28 jogos, ainda que o time não tenha ido tão bem na temporada em questão. Apesar disso, por lá, não se adaptou muito bem e chegou a ligar para pessoas próximas dizendo que era difícil mudar para um país onde não conhece ninguém e nem tem amigos.
Retornando para a Inglaterra, finalmente fez seu primeiro gol pelo Brighton, após mais de dois anos, mas num jogo de Copa da Liga Inglesa. Logo depois, foi emprestado por menos de meia temporada ao Swansea City, mal jogou, e então apareceu o Coventry, para onde foi emprestado e também onde finalmente encontraria o caminho das pedras. Com 3 gols em 19 jogos naquela altura, fez o suficiente para que o Brighton cometesse um dos maiores erros da história recente: venderam o cara por 1,20 milhões de euros.
O renascimento do centroavante mascarado
Todo mundo sabe que o Brighton tem sido um exemplo a ser seguido na captação e no desenvolvimento de jovens talentos ao redor do mundo, mas Gyökeres ter escapado de suas mãos pelo quase mesmo preço que foi pago ao Brommapojkarna é um tema bastante comentado em Albion. Muitos culpam Hughton por não lhe dar minutos e outros culpam Graham Potter por preferir Aaron Connolly - tido como uma boa promessa do futebol inglês naquele momento.
Enquanto Potter insistiu em Connolly, Mark Robins, técnico do Coventry City, viu algo a mais no sueco que era tido como um fracasso de captação em Albion, um lucro baixíssimo. Esses 1 milhão e 200 mil euros valeram a pena esportivamente e financeiramente para o time inglês da Championship.
Na primeira temporada como jogador do time em definitivo, Gyökeres marcou 18 gols e deu 5 assistências, mas o time não foi tão bem no geral. Na segunda temporada, em 22/23, ele fez 22 gols e deu 12 assistências, foi o artilheiro e dominou a Championship. Seu time até chegou a ir aos play-offs de acesso, mas perdeu para o Luton Town nos pênaltis. Todos sabiam que, àquela altura, seria difícil mantê-lo no Coventry.
Propostas da Premier League chegaram, como do Wolverhampton, mas a HCM, empresa que agencia o jogador, é conhecida por sempre levar seus atletas a bons contextos de acordo como a forma que jogam e as características da liga. Foram exemplares com Forsberg no Leipzig, Zhegrova no Lille e outros vários jogadores, como Bensebaini, Rüdiger e Teze.
HCM, Gyökeres e todos em volta deles entenderam que o melhor caminho era o Sporting, de Portugal, que investiu 21 milhões de euros, o reforço mais caro da história do clube.
Dos tempos de Coventry surgiu a temida comemoração com a máscara no rosto que aterroriza os times portugueses atualmente. O sueco prometeu só explicar somente se os Leões fossem campeões, e a meta foi alcançada. A máscara é uma alusão ao vilão Bane, de Batman: Cavaleiro das Trevas. Mas a explicação está numa frase dita pelo personagem: “Ninguém ligava até eu vestir a máscara”.
A partir daqui, a história você provavelmente já conhece. Gols com as duas pernas, de cabeça, assistências, um desmarque absurdo, velocidade aliada a técnica e uma capacidade impressionante de proteger a bola. Um centroavante completo, que vem empilhando gols no futebol europeu e surpreendeu ao não se transferir nessa janela, quebrando mais uma das várias respostas prontas que o futebol oferece.
Gyökeres não foi formado num grande centro. Gyökeres não jogou uma partida de primeira divisão de liga europeia antes de chegar no Sporting. Gyökeres não teve um foco em desenvolvimento tático nas categorias de base. Gyökeres teve seu grande salto na carreira após os 23 anos de idade. O Brighton, exemplo de captação de talentos, o desperdiçou. Gyökeres não escolheu a badalada Premier League, ele foi chutado por ela e, recentemente, goleou o Manchester City, melhor time da Inglaterra.
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